26.6.15

Ó os animais da linguagem


(Jean-Luc Nancy)






Ó Tigre ó Jacaré

um para o outro nem amigo nem rival

cruéis indiferentes soberanos se encontrando por acaso

não através da caça nem do capricho dos homens

zoológico ou fantasia doméstica

fantasia fantástica face a face em ignorância

puros cruéis inocentes

serrando maxilares moldura ossuda jogo violento

longo torpor indolente

sono imersivo

e despertar repentino

como se chamados por uma corneta

um sinal um alarme

um grito um cheiro um ruído uma brisa

um inseto ou cobra

pulsação de presa ou ameaça

morte pulsante ou morte indiferente

sacrifício sem ídolo

sem altar sem ritual

sacrifício à vida voraz

aos deuses vivos de devoramentos férteis

aos deuses de mundos antigos

tigre o deus vingador jacaré o colérico

não conhecem vingança ou raiva

ó tão impecável selvageria salvo barbaridades

salve guerra paz dilema

poderes idênticos a si mesmos

mesmo não os mesmos

vivendo fora de seus nomes

fora das línguas que os nomeiam

esses nomes que rugem e bocejam

esses nomes de dentes afiados

bocarras de garganta quente

garras e papos

escamas e listras

todas essas palavras animais

que eles não aprenderam

nem entenderam ou engoliram nem devoraram ou digeriram

eles nos seus nomes não neles os seus nomes

nomes que tremulam fora de bandeiras tochas ideias imagens

nada para comer nada para arranhar nada para ceder

mas rosnando saltando mordendo

formas de ferocidade chamadas pelo nome

Tigre Jacaré

mais que seus nomes verdadeiros

seguindo sua fome

seguindo o que te convém

sem se preocupar com esplendores

casaco suntuoso couro escamoso luxos não-sonhados

luxo massivo irradiando

figuras de um velho mistério

de profusão viva

um mistério de origens na prolífica profusão de gêneses

de genes de gerações

de cruzamentos de seleções de mutações

de julgamentos de erros e sucessos

em famílias espécies variedades

através de espécimes raras os grandes solitários

senhores dos rios e florestas

nascidos somente para este domínio senhorial

Tigre Jacaré

soberanos por seu encanto somente

por suas corridas por seus saltos

por seu sono saciado por seu despertar

por sua fúria sua coragem sua glória

que nossas línguas

tentam formar em rimas rudes

rangendo arranhando rugindo

repetições retumbantes

ásperas torções da língua

língua por trás de palavras

na sua boca que ruge e que chora

murmura geme uiva

grita de sua garganta entupida de lágrimas

sua garganta tigraré sua garganta

mas não menos a minha não menos

no fundo da qual esses nomes que você desconhece fazem signos

que te celebram que te honram

orações rituais

ritmos de adoração

da garganta à barriga e nos pulmões

coração fígado nervos e tendões

proclamam as farpas brilhosas de seus nomes

Tigre Jacaré

suas invocações selvagens

que fazem de vocês em mim os deuses

os antigos os terríveis

íntimos do impossível




 

traduzido de
http://supercommunity.e-flux.com/texts/oh-the-animals-of-language/



versão 1.2 (onça no lugar de tigre)

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